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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Fernando Pessoa partiu mas ficou

O dia 30 de Novembro de 1935 marcou o fim da vida de Fernando Pessoa e de todos os outros em que se manifestava.

Escreveu tanto e tão diversamente, que ainda hoje os investigadores descobrem textos seus. E, no entanto, a “Mensagem” foi o único livro publicado enquanto viveu. Partiu aos 47 anos quando já nada mais esperava da vida. A infância era o seu paraíso perdido e a mãe, eterna âncora, que ele amava mais do que tudo na vida, nunca o compreendeu. Ofélia foi a amada possível, que teria de abandonar porque a sua vida era guiada por Mestres oclusos e tudo na vida girava em torno da sua obra literária. Para a concretizar precisava de sossego e de isolamento. Isso mesmo escreveu a Ofélia.

“Era um poeta animado pela filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza das coisas, descortinar no imperceptível e através do muito pequeno, a alma poética do universo.”
Para ele “ a poesia é assombro admiração, como de um ser caído dos céus que toma plena consciência da sua queda, espantado com o que vê”.(1)
Tornou-se infinito na obra imensa que deixou e no pensamento que ainda hoje é estudado. Era tão imenso e tão profundo que não cabia em si. Tinha de se outrar em tantos heterónimos e figuras literárias, quantos a sua imaginação criara. Insubordinador de espíritos, criador de paradoxos e de enigmas, foi Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares, entre outros, mas neles todos foi ele mesmo.

Veio antes do seu tempo e dos seus pares e atingiu os cumes onde apenas teve por companhia a solidão.
Deixou-nos um lamento, que era mais um grito de alma: “ Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, terei enfim a gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que teve, quando vivo. Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. (2)

Tornou-se o escritor português mais traduzido no mundo e o seu “Livro do Desassossego”, paradoxalmente em prosa e um não livro, porque fragmentário, é o best seller da sua obra.

Fernando Pessoa passou e ficou “como o universo.”
 
Maria Teresa Sampaio

(1) In: Obra Essencial de Fernando Pessoa.Prosa Íntima e de Autoconhecimento. Edição Richard Zenith, Assírio & Alvim, Abril 2007
(2) In Fernando Pessoa. O Livro do Desassossego, Edição de Richard Zenith, Assírio & Alvim. Trecho 191.
Pessoa num desenho de Almada Negreiros, executado 
em 30-11-1935, no regresso do cemitério.


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